Havia acabado de sair do show do
Noel Gallagher em São Paulo. Era meia noite e fazia um frio de 18° na Barra
Funda. E a galera ainda eufórica gritava no caminho do metrô: “olé, olé, olé,
olé, Noeeel, Noeeel!”. Pegamos o metrô, eu e um casal de amigos. Linha
Vermelha. Próxima parada: República. Na República, me despedi dos meus amigos
para fazer a baldeação com a Linha Amarela. Entrei no trem, me sentei sozinha, aguardando
a estação Paulista. Fiquei observando as pessoas ainda comentando sobre o show
e no quão incrível havia sido. Havia um rapaz perto da porta, aparentemente de
uns 20 e poucos anos, alto, cabelos escuros, com uma grande, porém discreta e
linear cicatriz na bochecha esquerda. Fiquei intrigada com o que poderia ter
causado aquela cicatriz, e ao mesmo tempo admirei. Pensei “tem cicatrizes que realmente
deixam a pessoa charmosa”. Fiquei o observando enquanto conversava com dois
amigos sobre o show. “Hum, então ele estava no show...”. Fiquei observando seu
jeito, suas feições, e me encantei. Uma daquelas paixõezinhas anônimas
platônicas. Um rosto na multidão. Um passante de Baudelaire.
Estação Paulista. Fui andando em
direção à saída para pegar o táxi com destino ao local onde estava hospedada,
na avenida Rebouças. A estação já estava um pouco deserta e as únicas pessoas que
estavam fazendo o mesmo caminho que eu eram três rapazes, entre eles o rapaz desconhecido
do trem. Subimos a escada rolante, enquanto um deles subiu pela escada normal.
O rapaz da cicatriz prontamente exclamou: “Véi! Por que você está subindo de
escada? Você é burro? Vai ter que tomar banho quando chegar em casa!” e
estranhamente se virou pra mim (isso mesmo!) e disse “não é?”. Fiquei tão
surpresa que mal consegui dizer: “lógico... eu não vou tomar banho agora, você
vai?”. E ele respondeu: “só amanhã cedo!”. Então emendei: “vou tomar amanhã
tarde, pois pretendo dormir muito!”. Ele riu, dizendo aos amigos “gente, ela é
das minhas!”.
Já na avenida Consolação (que é
uma continuação da avenida Rebouças, para onde eu estava indo) pensei em pegar
um táxi, mas não havia nenhum, e os rapazes estavam indo ao ponto de ônibus. Resolvi
acompanhar, pois pensei que alguém que está saindo do show de Noel Gallagher
deveria ser, no mínimo, um pouco confiável. O ônibus não demorou nem cinco
minutos. Subi, paguei ao cobrador e fui apreensivamente para a saída, pois o
meu ponto não ia demorar. Olhei ao redor e para minha (boa) surpresa, o rapaz
desconhecido do metrô também estava lá. Ele olhou para mim e acenou com a
cabeça, sorrindo. Sorri de volta, com timidez. Até que chegou a minha parada.
Olhei novamente para ele, mas ele estava conversando com seu amigo. Desci, e ao
esperar o sinal abrir para os pedestres, olhei mais uma vez para dentro do
ônibus, na esperança de vê-lo uma última vez. Ele olhava ao redor como se
procurasse algo, até que olhou para a calçada e me viu. Ao me ver, sorriu, como
quem se despede. Um sorriso de indignação, como quem diz “não nos veremos nunca
mais?”. “Não”, pensei. E eu sorri de volta, ainda me contendo da emoção do
momento, com um misto de arrependimento por não ter perguntado seu nome, e ao
mesmo tempo encantamento pelo anonimato dessa paixão, que nunca se realizará.
”A rua, em torno, era
ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e
sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou,
com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando
a barra alva da saia;
Pernas de estátua,
era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um
basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do
seu olhar distante,
A doçura que encanta
e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite
depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me
fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de
rever senão na eternidade?
Longe daquí! tarde
demais! nunca talvez!
Pois não sabes de
mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria
amado, ó tu que o adivinhaste!”
A uma passante, Charles
Baudelaire.
Linda.
ResponderExcluirOrgulho de você que nasceu de mim e se fez maravilhosa, revelando-se uma escritora super-talentosa, sem eu ter feito tanto, além de te amar muito.
ResponderExcluirTe amo!!!