Num futuro não muito distante, um
senhor já de idade se prepara para abrir sua cápsula do tempo. Já é hora, ele
pensa. Ou então morrerá sem provar dos encantos que ele guardou. Vê, nessa
época isso é uma coisa muito comum, e as cápsulas do tempo são muito espaçosas.
Cabe tudo que você quiser colocar. Cabe todos os seus sonhos. Todos os seus
amores. E foi isso que esse senhor colocou. Um amor. E com ele, todas as suas
esperanças e sonhos de outrora.
Quando ele era mais jovem, ele
tinha um amor tão delicado, tão puro, que ele resolveu guardar. E então ele
guardou. E quem guarda não esconde. Quem guarda não perde de vista. Então ele
guardou ali mesmo, tão junto, tão perto, apenas um vidro o separava de ter o
seu amor nos seus braços. Tantas vezes ele se aproximou ofegante, deixando o
vidro embaçado. Estava muito perto e ao mesmo tempo muito inatingível. As
pessoas tentavam se aproximar e ele as afastava. A cápsula tanto impedia que
ele chegasse perto, quanto a outras pessoas que passavam e se interessavam. Olhavam
a vitrine e diziam:
- Que lindo! É seu?
- Não, não é meu. E nem é lindo.
É estranho.
- Então posso pegar para mim?
- Não sei por que você poderia
querer uma coisa dessas.
- É verdade, obrigado.
- Disponha.
Ele repetia tanto isso que chegava
a acreditar. É, talvez seja muito estranho mesmo, ele pensava. Mas essas cápsulas
eram ultra modernas, ele sabia disso. Elas modificavam o conteúdo de acordo com
os seus desejos. Mais reto, mais curvo, pontiagudo, arredondado nas quinas,
alongado. Agora deve estar como eu quero, ele pensou enquanto se aproximava
para abrir a cápsula.
Ele, durante a juventude, contava
tudo para o seu amor através do vidro. Todos os dias ele sentava na frente da
vitrine e ficava contando sobre todas as suas conquistas. E seu amor só
escutava, nada podia fazer, pois estava preso à cápsula. Mal via a hora de sair
para estar perto dele, mas todos os dias o senhor se aproximava e contava que
estava perto de outras pessoas agora, vivendo outros tipos de romances, mas que
um dia estaria perto do seu amor. Agora não podia, o amor ainda precisava
de adaptações. E seu amor entendeu.
E quando chegou o grande dia, ele
finalmente abriu a cápsula. Mas para sua infeliz surpresa, seu amor estava
completamente deformado, agonizando quase morto. Acontece que ele desejou tanto
que o amor se moldasse ao que ele queria que com o tempo, foi isso que
aconteceu. E aos seus olhos estaria perfeito. Mas ele demorou tanto tempo parar
abrir a cápsula, que o amor continuou sendo modificado até que ficou
desfigurado, já quase nem respirava. Além disso, a atmosfera do futuro era
diferente e seus pulmões não estavam adaptados.
O senhor, em prantos, pensou “só
queria meu amor como ele era antes!”. E enquanto isso, ele tentava se aproximar
para ouvir os últimos murmúrios que saíam daquele corpo anômalo...
“Sempre te amei”
lindo.
ResponderExcluiremocionante.
senti a dor dele.
senti a dor dela.
tão surreal.
tão real.