domingo, 21 de outubro de 2012

A Pequena Sereia e a verdadeira história do amor


Quem não assistiu a esse filme “infantil” e não se encantou completamente pela história dessa jovem sonhadora que vai atrás do amor sem pensar nas consequências? Sim, infantil entre aspas, porque apesar de ter um final feliz, é completamente irreal, e isso tem ficado no inconsciente das crianças, que quando crescem podem vir a buscar por uma coisa que não existe. Estou me referindo à versão da Disney, não à original de Hans Christian Andersen, que apesar de mais realista por um lado, por outro é bem macabra, o que quase não se pode considerar um “conto de fada”. Se esse filme influenciou e influencia alguém até hoje eu não sei. Mas para o bem ou para o mal, o simbolismo presente nesse filme é muito marcante. 



Eu mesma só vim a perceber isso tão claramente recentemente. O filme é de 1989, ou seja, eu tinha dois anos quando foi lançado, e (perguntem para minha mãe), foi o filme que eu mais loquei na minha infância. Eu sabia todas as falas e músicas decoradas (e sei até hoje). Não posso negar que até meu cabelo de ruivo pintei inspirado na sereiazinha durante a minha adolescência, coisa que recentemente voltei a fazer, talvez pelos mesmos motivos de antigamente. E vai saber se influenciou em outras coisas também.

Mas vamos ao que interessa: Ariel é uma sereia de 16 anos, filha de Tritão, rei dos mares, possuidora da mais bela voz de todo o mar. Fascinada pelo mundo dos humanos, ela se apaixona pelo príncipe Eric, ao salvá-lo do afogamento. Ela canta para ele, mas fica com medo e foge antes que ele acorde. Eric também é um jovem sonhador, que fica obcecado por aquela voz, e jura que irá casar com a dona dela. Ela está tão cegamente apaixonada que faz um pacto com a bruxa do mar para se tornar humana e ficar com seu príncipe, dando sua voz em troca pelas pernas. Ela possui apenas três dias para conquistar o príncipe (ele deve beijá-la), ou então pertencerá à bruxa. Tarefa difícil, pois ele se encontra apaixonado pela dona de uma bela voz, coisa que ela não mais possui, não podendo contar a ele que foi ela quem o salvou. Nada mais a resta além de esperança. Claro que ocorrem reviravoltas “disnianas”, ela recupera a voz, ele descobre a verdade e eles ficam juntos, felizes para sempre.

Na versão original, ela não tem essa mesma sorte, o príncipe a acolhe, mas a vê como uma boa amiga, continuando apaixonado e obcecado pela voz que o salvou, mas no fim se convencendo que isso não é real e casando com uma outra moça, de carne e osso, bonita, de boa família, que poderia ser boa mãe, e tudo o mais de racional que pudesse favorecer essa união. A pequena sereia então estaria condenada a virar espuma do mar caso ele se casasse com outra, que é o verdadeiro final dessa história. Fantasias à parte, ela se arromba! E, quem já sofreu alguma desilusão amorosa sabe que o sentimento é exatamente esse. A pessoa desiludida se sente reduzida ao nada, tendo que achar um novo sentido para sua vida, muitas vezes em casos extremos, não encontrando nunca mais, simbolicamente interpretado como a morte para Andersen.

Por outro lado, o amor de Ariel por seu príncipe é lindo e genuíno. É um sentimento de total entrega e necessidade de cuidar do seu objeto de desejo, que muitas pessoas vão passar a vida inteira sem experimentar. E quem já sentiu isso uma vez sabe que um encantamento assim raramente se repete, ou pelo menos não tão intensamente. Em se tratando do sentimento de Ariel, os roteiristas da Disney se inspiraram totalmente na versão de Andersen, na qual o sentimento da jovem sereia é puro e talvez o fascínio seja ainda maior justamente por ser um amor platônico e impossível. E é aí que a perda da voz é algo muito simbólico, pois Ariel fantasia uma relação com o príncipe que não existia, e vai atrás dessa sua fantasia no silêncio, tendo apenas consigo uma esperança que em nada se podia palpar. No seu caso, sua voz a libertaria, pois se o príncipe soubesse que era ela quem ele estava procurando, ele certamente a aceitaria (nessa história em particular). Mas simbolicamente, o fato de não falar faz com que a fantasia permaneça inalterada por mais tempo, uma vez que ao nos manifestarmos podemos obter uma resposta contrária a que esperamos, por parte do objeto de desejo. E apesar de no fundo Ariel saber que existe a possibilidade de seu ato de entrega e coragem não dar certo, ela ainda assim toma essa decisão, pois a vida não valeria a pena sem amor.


Nesse aspecto, os roteiristas não são nada originais, e não me detenho a criticar o fato de Ariel amar o príncipe dessa forma. Várias são as histórias que abordam o amor como um martírio, sendo a mais famosa delas Romeu e Julieta, símbolos do amor genuíno, pois morreram jovens, sem ter passado pelas adversidades da vida a dois, que muitas vezes massacram esse sentimento. O que me pergunto é se as crianças devem crescer com essa referência do amor. Se é que isso realmente influencia na nossa busca pelo amor, ou se isso já faz parte da condição humana há muito mais tempo. Porém, no caso do filme da Disney, essa referência possui um final feliz que na grande maioria das vezes, não chegará nunca.

Longe de mim dizer que ninguém nunca vai ser feliz no amor. Mas a busca por esse arquétipo do amor impossível que por consequência do destino virá a ser concretizado é uma busca frustrada, eu diria que sempre. Se o “conto de fada” da pequena sereia fosse reescrito de forma moderna e realista, acabaria na cena épica em que Ariel chora no píer ao se deparar com a realidade e a rejeição. E aí com o tempo, ela superaria e encontraria outra pessoa, mais real e acessível, e viveria um amor talvez menos emocionante, mas possível. E é aí que eu me pergunto se esse dilema realmente existe ou se ele é implantado nas nossas mentes por histórias como essa e tantas outras. Que o amor verdadeiro e emocionante dói e não dá certo, e o que daria certo, no caso, não causaria sofrimento, porém não seria amor verdadeiro. Será que Vinícius de Moraes estava certo ao dizer que “o amor só é bom se doer”?



Estou certa que algumas pessoas que vão passar a vida inteira sem experimentar esse sentimento de entrega a alguém, e vão se relacionar com pessoas por outros motivos, vontade de constituir família, medo da solidão, ou simplesmente necessidade de se relacionar sexualmente, o que não quer dizer que serão infelizes por isso.  E outras vão experimentar e vão sofrer muito com a dura realidade, e talvez se juntem ao primeiro grupo, ou ficarão frustradas para o resto da vida. E outras (não descarto essa possibilidade) ganharão na megasena do amor e vão amar como Ariel, e ser completamente correspondidas por seus respectivos Erics.

Será que nós fomos influenciados pelos finais felizes de contos de fadas e filmes água com açúcar, ou isso é inerente ao ser humano, de se interessar pelo mais difícil (claro que uns muito mais que outros)? E se deixarmos nos influenciar por Ariel é uma coisa boa eu não sei, na verdade eu luto contra o fato de que devemos nos contentar com algo menos emocionante, porém real (talvez a Ariel já seja até meu alter ego!). O que sei é que é preciso se lembrar de que nossa vida não é escrita por roteiristas da Disney.

5 comentários:

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  2. Obrigada pelo seu comentário! Me fez refletir muito!

    Acrescento dizendo que nada em relação ao amor é necessariamente bom ou ruim, ou até mesmo definitivo. Você pode aprender com diversos tipos de situações na vida e isso significa sim amadurecimento, concordo!

    Meu objetivo com o texto é refletir se nós fomos influenciados e condicionados a pensar que o amor "impossível" vai dar certo, como acontece em muitos filmes. Mas não creio que caso isso seja verdade e ao sabermos disso, devemos sempre nos proteger de antemão, para não sofrermos. Isso já entra numa questão pessoal que cada um ponderará o que é melhor para si. E ninguém vai poder julgar.

    Para alguns, se tornar uma pessoa mais fria e realista é considerado bom, para outros, pode ser torturante.

    Enfim, não acho que decidir entre a pílula azul e a vermelha implica em algo definitivo, ou que isso seja de fato possível. Apesar de essa parecer ser a grande questão.

    Acredito que no amor há mais nuances entre o azul e o vermelho que sonha a nossa vã filosofia...

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  3. Na verdade me inspirou para escrever sobre uma outra coisa! Obrigada, anônimo!

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  4. Penso que somos influenciadas sim por essas histórias, de amor com final feliz para sempre, só que na vida real o amor pode existe,mas não terá feliz para sempre, por mais que uma pessoa tente controlar a vida, a vida é incontrolável e cheia de surpresas. E cá pra nós, viver feliz para sempre deve ser um saco,cadê emoção???

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  5. É que o amor é feito de desejo e como tal, uma vez realizado, é o 'possível', podendo dar certo ou não. Os impossíveis, ou seja, não realizados, ficaram como idealizados pq não houve convivência, a descoberta das chatices, dos defeitos e, poderiam ter perfeitamente morrido na praia tal como banais.

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